Em Manaus, um dia
ensolarado vale por mil se comparado a qualquer outro lugar do mundo. Ou pelo
menos eu resolvia acreditar nisto, já que nunca havia saído da cidade até
então. Porém, aquele dia fora o estopim do verão amazônico: trinta e sete
graus. Sensação térmica imensurável. A luz do sol no asfalto causava a leve
ilusão de poças d’água, e o seu reflexo atingia e irritava os olhos manauaras
de forma nunca vista. No céu, apenas alvas nuvens passeavam pela imensidão
azul, desfavorecendo qualquer esperança de chuva.
Ao sair do colégio naquele dia,
observei que as calçadas estavam sendo invadidas e tomadas por borboletas. De
todos os tamanhos e cores, elas sobrevoavam e encontravam seus lugares em
qualquer espaço vazio. Não sei da onde migravam, mas Manaus era o lugar delas
no verão. Quem diria que algum ser apreciaria as temperaturas elevadas e a
umidade dessa cidade; pois o panapaná estava lá todos os anos fazendo sua
festa. Porém, o calor estava mais forte, e consequentemente elas vinham em
maior quantidade.
Esforcei-me para não pisar em
nenhuma delas no caminho para o ônibus, entretanto, tinha de correr. O
motorista certamente não esperaria que eu desviasse de todas elas. Fiz o
possível para ser cuidadoso, e entrei no veículo observando pela última vez o
movimento das serenas borboletas. Pena que eu tinha de ir e, além disso,
deveria conseguir um lugar no ônibus,
que já começava a lotar. Sentei, então, num banco quase ao fim do corredor, ao
lado de uma moça que, embora pequena, era bela e sorrira como um cumprimento.
Retribuí , e me ajustei no assento logo em seguida. Não era o melhor lugar, e infelizmente
o sol já iniciava sua despedida, emanando seus raios no mesmo lado em que
sentei.
No entanto, não fora ruim a
ponto de irritar-me, pois ao meu lado uma linda borboleta pousara. Ela se
prendera no vidro e de lá não saía; aparentemente curtia a viagem e o vento. Suas
asas, embora minúsculas, estavam sempre a favor dos ares. Ajustavam-se de forma
que não fossem prejudicadas pela inércia, e naquele momento percebi o quanto
utilizavam a inteligência em cada
movimento, nunca deixando de perder o charme. Ah! Mas eu apreciava mais quando
ela ficava de costas e mostrava a sua cor amadeirada e brilhante, ostentando os
mais variados tons de marrom... Parecia que sorria. Eu conseguia ver a sua
alegria cada vez que o motorista acelerava. Talvez sua vida fosse curtíssima se
comparada à minha, mas sorria. Ouvi dizer que duravam um dia ou dois, o que era
pouquíssimo. Os raios solares escaldantes batiam na janela, mas ela estava
muito mais interessada no vento que era gerado com a velocidade. Tão pequena e
franzina! Eu estava apaixonado por aquele ser que, embora irracional, pedia
involuntariamente a minha atenção.
O nosso show de olhares foi
duradouro; digo-lhe que demorou cerca de vinte minutos. Embora longo, fora
ainda pouco para mim. Foi quando, sem intenção, um braço diminuto encostou na
pobre criatura, o que a fez sair voando
para fora do veículo. “Seja feliz, grande amiga!” Pensei. Concomitantemente, a
dona do tal braço forjou o último sorriso, sem dúvidas o melhor. Saiu do
veículo e também bateu suas asas para outra dimensão. “Seja feliz, grande
amiga!”, pensei novamente, observando a silhueta desta se destacando no por do
sol. Eu poderia sim pedir o número desta última e conseguir mais um encontro
recheado de sorrisos e asas amadeiradas... Porém, borboletas desejavam ser
libertas e voar por novos ares. Vivem apenas um dia. Um dia para viver, um dia
para sorrir, uma estação para aproveitar, umas horas para morrer de calor e vinte
minutos para me enamorar.
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