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quarta-feira, 23 de julho de 2014

Conto quatro: Duas borboletas

Em Manaus, um dia ensolarado vale por mil se comparado a qualquer outro lugar do mundo. Ou pelo menos eu resolvia acreditar nisto, já que nunca havia saído da cidade até então. Porém, aquele dia fora o estopim do verão amazônico: trinta e sete graus. Sensação térmica imensurável. A luz do sol no asfalto causava a leve ilusão de poças d’água, e o seu reflexo atingia e irritava os olhos manauaras de forma nunca vista. No céu, apenas alvas nuvens passeavam pela imensidão azul, desfavorecendo qualquer esperança de chuva.
                Ao sair do colégio naquele dia, observei que as calçadas estavam sendo invadidas e tomadas por borboletas. De todos os tamanhos e cores, elas sobrevoavam e encontravam seus lugares em qualquer espaço vazio. Não sei da onde migravam, mas Manaus era o lugar delas no verão. Quem diria que algum ser apreciaria as temperaturas elevadas e a umidade dessa cidade; pois o panapaná estava lá todos os anos fazendo sua festa. Porém, o calor estava mais forte, e consequentemente elas vinham em maior quantidade.
                Esforcei-me para não pisar em nenhuma delas no caminho para o ônibus, entretanto, tinha de correr. O motorista certamente não esperaria que eu desviasse de todas elas. Fiz o possível para ser cuidadoso, e entrei no veículo observando pela última vez o movimento das serenas borboletas. Pena que eu tinha de ir e, além disso, deveria  conseguir um lugar no ônibus, que já começava a lotar. Sentei, então, num banco quase ao fim do corredor, ao lado de uma moça que, embora pequena, era bela e sorrira como um cumprimento. Retribuí , e me ajustei no assento logo em seguida. Não era o melhor lugar, e infelizmente o sol já iniciava sua despedida, emanando seus raios no mesmo lado em que sentei.
                No entanto, não fora ruim a ponto de irritar-me, pois ao meu lado uma linda borboleta pousara. Ela se prendera no vidro e de lá não saía; aparentemente curtia a viagem e o vento. Suas asas, embora minúsculas, estavam sempre a favor dos ares. Ajustavam-se de forma que não fossem prejudicadas pela inércia, e naquele momento percebi o quanto utilizavam a  inteligência em cada movimento, nunca deixando de perder o charme. Ah! Mas eu apreciava mais quando ela ficava de costas e mostrava a sua cor amadeirada e brilhante, ostentando os mais variados tons de marrom... Parecia que sorria. Eu conseguia ver a sua alegria cada vez que o motorista acelerava. Talvez sua vida fosse curtíssima se comparada à minha, mas sorria. Ouvi dizer que duravam um dia ou dois, o que era pouquíssimo. Os raios solares escaldantes batiam na janela, mas ela estava muito mais interessada no vento que era gerado com a velocidade. Tão pequena e franzina! Eu estava apaixonado por aquele ser que, embora irracional, pedia involuntariamente a minha atenção.

                O nosso show de olhares foi duradouro; digo-lhe que demorou cerca de vinte minutos. Embora longo, fora ainda pouco para mim. Foi quando, sem intenção, um braço diminuto encostou na pobre criatura,  o que a fez sair voando para fora do veículo. “Seja feliz, grande amiga!” Pensei. Concomitantemente, a dona do tal braço forjou o último sorriso, sem dúvidas o melhor. Saiu do veículo e também bateu suas asas para outra dimensão. “Seja feliz, grande amiga!”, pensei novamente, observando a silhueta desta se destacando no por do sol. Eu poderia sim pedir o número desta última e conseguir mais um encontro recheado de sorrisos e asas amadeiradas... Porém, borboletas desejavam ser libertas e voar por novos ares. Vivem apenas um dia. Um dia para viver, um dia para sorrir, uma estação para aproveitar, umas horas para morrer de calor e vinte minutos para me enamorar. 

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