Translate

domingo, 16 de março de 2014

Conto três: A chuva, as roupas e os sonhos

               De repente, nublado. Imaginei quantas toneladas de nuvens poderiam estar sobre a minha cabeça, prestes a desabar. Imaginei que as águas caíssem com peso de chumbo. Apenas imaginei, afinal, as roupas no varal deveriam ser retiradas. Fugiam da gravidade com a velocidade do vento, e algumas se soltavam da corda. Estavam libertas, pensei. Perguntei-me se elas gostariam de sentir a chuva, tanto quanto apreciavam o calor de um dia ensolarado. Minha mãe, a alguns metros, realizava alguma atividade na cozinha. Corri para questioná-la sobre aquilo. Colocara a cabeça para fora da janela e seus cabelos voavam em seu rosto, quase impedindo que me visse.
                - Se as roupas gostam da chuva?! Não se engane! Elas a odeiam. Entre com elas antes que caia o temporal; está trovejando.
                Foi então que, subitamente, corri para salvar as pobres roupas. “Não é só uma chuva serena, caras amigas; É uma tempestade! Temos de entrar!”, falei comigo mesma, imaginando que as roupas me ouvissem em pensamento. O vento vinha em meu rosto e, junto dele, terra e folhas. Mas não poderia desistir de salvá-las; era minha tarefa.  Meu dever.
                Quando, finalmente, o vento vinha a meu favor, eu estava entrando na cozinha. Sensação de dever cumprido, mente aliviada e sorriso no rosto. O dia já era noite e, repentinamente, obscuro. As gotas iniciavam a queda livre e vinham cada vez com mais frequência, causando um barulho forte e agradavelmente estrondoso. Os trovões já manifestavam sua presença; os relâmpagos faziam seu show. Era um espetáculo assistir àquilo. O medo e a admiração se misturavam; a vontade de estar protagonizando aquela pirotecnia natural aumentava a cada gota caída. Um sonho, eu diria. Daqueles onde intervemos com a falta de coragem para realizá-los.
 Observei cada detalhe e descobri que os sonhos são como a chuva: Estão no alto, mas uma hora tendem a cair. Quando caem, formam poças, que diminuem e secam. Nenhuma esperança. Porém, há sempre novas nuvens negras. Novos sonhos. Às vezes maiores, em outras, pequenos demais, mas sempre os mesmos que se aprimoram ou se transformam. Assim, pensei nas roupas do varal: Que saberia eu sobre seres inanimados que são sujeitos a ações uniformes? Provavelmente nada. Apenas que são feitos de algodão. Por que não as nuvens, com sua mera semelhança ao algodão? Eram só água.
                Quando acabou o show de pirotecnia, o dia voltou a ser dia. O sol retornou com seu brilho sufocante e essencial. Pensei, assim, que o astro rei fosse a razão: Aquela que destrói os sonhos. Por isso que as roupas não possuíam seu próprio desejo; desprovidas de qualquer sentimento, desprezavam a vontade de sentir a chuva. Até porque lhes traria desvantagens, como a demora para ficarem totalmente secas.

                Minutos depois, minha mãe soltou uma reclamação sobre meus afazeres atrasados. Assim, percebi que adultos e roupas eram iguais: Desviavam sua atenção total para um dia ensolarado e fugiam das chuvas. As nuvens negras eram um empecilho para seus objetivos finais. Ambos seres inanimados.  Perguntei-me como conseguiam viver de forma tão seca, mas descobri que crescemos. E, que quando tal fato ocorre, não há mais tempestades com trovões e relâmpagos; apenas ligeiras chuvas ácidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário